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Essa noite sonhei com meu pai

Essa noite sonhei com meu pai. Não sei ao certo contar o sonho, porém durante o café da manhã recordava algumas de nossas passagens. Certa manhã de domingo, estava dando banho em nosso cão de guarda chamado Tenente. Tenente, um doberman de linhagem atestada era lindo, imponente e da mesma forma bravo quando recebia alguma ordem de comando. Caso contrário era manso e elegante, um simples cão de passeio. Durante o banho – para meu desespero – Tenente escapou. Fiquei perdido sem saber se corria atrás dele ou chamava meu pai para ajudar. Obviamente fiz as duas coisas. A medida que corria chamando por Tenente gritava chamando por meu pai. Um belo domingo na família Neves. Tenente que mais parecia um cavalo devido sua cor e velocidade desenvolvida se dirigiu até o campo de futebol que existia perto de nossa casa. Como um caçador, foi certeiro ao encontro da bola que estava dentro de campo fazendo companhia à vários homens que deixaram de se divertir por alguns minutos. Na época imaginei que estavam brincando de estátua, porém deve ter sido o medo congelante o responsável por tal cena. Tenente foi até a bola, – que já estava parada – e calmamente a pegou e partiu em minha direção procurando por brincadeira. Meu pai a essa altura do campeonato já se encontrava próximo aos acontecimentos acompanhado de um sorriso tímido e vergonhoso, afinal sabia que a presença de Tenente causava medo – embora fosse um cão adestrado. Pedidos de desculpas, várias risadas, alguns croques na minha cabeça, enfim coisa típica de um bairro de classe trabalhadora onde o futebol é a diversão. Porém nem tudo na vida são flores, ou histórias engraçadas de um domingo de manhã. A medida em que tentava convencer Tenente a liberar a bola e assim voltar para casa, pude perceber que algumas pessoas não estavam rindo, e na verdade nos cercavam cobrando uma satisfação. Lembro perfeitamente do momento em que meu pai mudou de cor, e seu sorriso amigável cedeu lugar ao olhar feroz como de um lobo ao defender sua cria. Esse mesmo olhar que nos passava medo e mantinha o respeito era da mesma forma congelante, confesso.

“ Tenente! Guarda!”

em alto e bom som. Imediatamente a bola caiu das garras de Tenente que em posição de ataque se postou perante meu velho. E continuou: “ Eu vou até minha casa, vou levar meu filho e volto aqui pra gente resolver o que vocês querem. Se tentarem chegar perto do meu filho o cachorro ataca! Só vou levar o menino pra casa e volto aqui sozinho” E assim foi. Voltamos rapidamente para casa, em silêncio. A medida que prendia Tenente, observava meu pai trocar de roupas, ficar descalço, ascender seu cigarro e calmamente se dirigir até o campo de futebol deixando uma ordem expressa:

“ Você fica aqui!”

Misto de sentimentos divididos entre a obediência e a preocupação com meu pai. Pulei o muro. Fui acompanhando a curta distância porém – acredito – de maneira despercebida, pensando a melhor maneira de ajudar meu pai caso fosse necessário. A medida que me aproximava do campo pude escutar: “Ô testa! Entra no time sem camisa!” Cigarro arremessado ao longe, e meu pai correndo em direção a bola, com um sorriso feliz estampado eu seu rosto. Fiquei ali, sentado à beira do campo me divertindo em ver meu pai feliz. Saudades… Tyto Neves – 26 de Junho de 2013.